quarta-feira, junho 27, 2007

Dwelling

Dwelling é uma banda de nacionalidade portuguesa composta por duas violinistas, Sílvia Freitas e Alexandra Bochmann, Jaime Ferreira no baixo, Moritz Branco e Nuno Roberto na guitarra clássica e guitarra portuguesa, que acompanham a voz suave de Catarina Raposo.
Esta banda já conta com 9 anos de existência e 3 álbuns lançados, “Moments” (MCD), “Humana” e o recente “Ainda é Noite”.
Este novo trabalho apresenta maior maturidade e consistência, composto por ambientes capazes de nos transpor para um universo distante, aprazível e solitário.
A envolvência das cordas é intocável. Os violinos criam atmosferas ora agressivas, ora calmas e as guitarras não ousam fugir e reflectem esse estado de espírito, o baixo pisa cada tema e eleva-o até ao sentido mais puro e sublime. Este álbum começa e acaba com duas músicas instrumentais, a primeira, “Vigília”, reflecte esse universo calmo e tranquilo e a última, “Opus DCXVI” distingue-se pela sua adorável agressividade.
“Ainda é Noite” não é fácil de definir, mas é fácil de qualificar: Soberdo!

Tive o prazer de assistir a um showcase dos Dweeling na Fnac de Coimbra e foi magnífico, capaz de arrepiar os espíritos mais sensíveis, sobretudo no tema “Da Minha Ausência”, onde existe uma alteração súbita do ritmo no segundo terço da música. Mas nada como “estar lá” e pelo que sei os Dwelling vão actuar em outras Fnac’s do país. Aos interessados, consultem o site oficial: http://www.dwelling.equilibriummusic.com/ ou no Myspace: http://www.myspace.com/dwellingband

Uma banda para conhecer e RECONHECER!

quarta-feira, maio 30, 2007

N olhes...

Desenho a carvão - ../../2006

domingo, maio 20, 2007

O António a dar corda à esperança

Vão fazer três anos que o meu pai morreru e ainda não cessou de mudar dentro de mim. Pensava que os mortos ficavam fixos em nós consoante ficam fixos no caixão e mentira: alteram-se conforme se altera a imagem que temos, desde a aparência ao temperamento, entendemo-los melhor, ficamos em paz com eles, sem ressentimento nem zanga, criaturas ao mesmo tempo verdadeiras e mitificadas cuja lembrança adquire uma prespectiva doce, envolta numa espécie de halo de ternura, isto depois de tantos julgamentos terríveis da nossa parte, tanta amargura tanta impiedade. A minha relação com o meu pai não foi fácil, o seu egoísmo e a sua fragilidade oculta indignavam-me.

E no entanto uma noite destas sonhei com ele: não tinha mais de trinta anos
(e eu com a idade de agora)
estava bonito
(tal como a nossa relação não foi fácil o meu pai não foi bonito)
com ar saudável, alegre, sentava-se à mesa de jantar e dizia
- Sabes, filho, nunca me senti tão bem. Palavra de honra que nunca me senti tão bem
isto radiante, simpático
(raras vezes o vi simpático)
quase de açucar: andei com o sonho na cabeça dias a fio, a pensar como será comigo em relação às pessoas que me estiveram próximas. Não sou especialmente simpático também, falo pouco, custa-me exprimir o amor que sinto, envergonho-me de, em certas alturas, me apetecer chorar. Claro que não choro: fico bravio, brusco, irónico, a liquefazer-me de afecto por dentro.
Ultimamente vivi a experiência mais violenta e radical da minha vida e continuo a morar com ela mesmo agora, em que o pesadelo parece estar a desvanecer-se.

Abandonei o livro que em que trabalhava há sete meses
(sete meses de doze horas por dia para o galheiro)
porque não posso, por um lado, escrever antes de voltar a ser eterno
(quando não estamos doentes somos eternos)
e por outro o meu mindo interior alterou-se de tal jeito que sou um homem diferente, e o homem que sou não pode continuar a prosa de um estranho. Fará prosa sua, necessariamente diversa. Uma parte minha segue às voltas com o imenso sofrimento pelo qual passei e me atormenta ainda a disponibilidade completa que um
(ia dizer romance mas não são romances o que faço)
exige e consolo-me pensando nos dezanove livros que até hoje escrevi e chegam bem para me justificar a existência. Acrescentar-lhe-ei alguns mais? Sempre estive certo que sim, hoje não sei.
(Agora de repente, perdoem a interrupção, veio-me à ideia, ignoro porquê, o sabor das peras verdes apanhadas da árvore em Nelas e enchi-me de saudades de eu pequeno diante da serra da Estrela, o único sítio onde fui sempre feliz, e lá está o meu avô, de casaco branco, na varanda da casa, todo fechado no seu silêncio de surdo)
Hoje não sei. Preciso de completar primeiro
(vestia-lhe o casaco branco às escondidas e as mangas chegavam ao chão)
o que doravante sou e faltam-me pedaços, como esses velhos Cristos de pau, sem membros, junto a escovas de cabo de prata no tampo das cómodas antigas. Crescer-me-à o braço esquerdo, os espinhos da coroa partidos, a ponta da barba? Houve ocasiões em que até o meu nome me parecia estranho aplicado a mim. A semana passada, ao ir tirar sangue para análises, a empregada chamou
- António Lobo Antunes
e como não era comigo nem me mexi
Repetiu
- António Lobo Antunes
nenhum António Lobo Antunes se apresentou e eu pensei
- Graças à falta desse vou ser atendido mais depressa.

Portanto preciso de completar primeiro o que sou e pode ser que, então, comece, mas não me preocupa muito o começar ou não começar. O que me preocupa então?
(Metia as mãos nos bolsos do casaco e achava dúzias de palitos.)
Sinseramente não sei. Curar-me? Garantem-me que estou curado. Precoupa-me o sofrimento nos olhos daqueles que esperam na sala de radioterapia. E a magreza, a cor da pele, a dor. Ambulâncias, algumas vindas de longe. Uma cigana a chegar de maca do Alentejo
(também fui feliz no Alentejo, não como na Beira Alta mas feliz mesmo assim)
um senhor de bengala, amparado à filha, com um embelema na lapela. Tento descobrir de que embelema se trata e não consigo, nem arranjo coragem para perguntar. O senhor caminha em passos difíceis e a filha de quarenta ou cinquenta anos, tão atenta, tão cautelosa. O facto de haver pessoas boas no mundo surpreende-me e exalta-me, em parte pelo facto de a maldade me repugnar. Se a empregada das análises tornar a chamar
- António Lobo Antunes
será comigo? Fico nesta dúvida um bocado e depois esqueço-me porque deixou de chover e um sol inesperado na janela a lembrar o sol nas pedras antiquíssimas de Monsaraz e no Guadiana lá em baixo. A ribeira, que é como falavam nela. A ribeira e um ou dois pescadores em banquinhos. Como contei no Auto dos Danados ao interessarem-se pelo que um deles pescava a resposta foi
- Principalmente nada.
A ribeira e o moinho da maré cheio de reflexos. Lagartinxas na erva. Borboletas. Que palavra linda, borboleta. Ó pai o que eu gostava de dizer
- Nunca me senti tão bem. Palavra de honra que nunca me senti tão bem
e estar à mesa consigo, sobretudo agora que é novo, o vejo contente e não vai morrer nunca mais. Não tenho espaço para nenhuma sepultura cá dentro e há-de chegar o momento em que o casaco branco do avô me serve. Então mando todas as doenças embora, elas obedecem que remédio, e seremos eternos. Quer apostar?

António Lobo Antunes
in
Visão nº 740 - 10 de Maio de 2007

segunda-feira, maio 07, 2007

Triste...

Sem saber como alinhar as palavras, apetece-me desesperadamente pegar nelas e fazer com que, de alguma forma, transmitam algum sentido à minha existência.

Precisava de encontrar poço sem fundo onde enterrar a tristeza que me vai na alma. Porque estou farta de ser “pisada” e nunca reagir… Porque estou a sentir o peso da ingratidão... Porque me dói saber que a honestidade é impotente…

Tenho este defeito insuportável de só sentir vontade de escrever quando estou em baixo… E as consequências são invariavelmente textos sem sentido ou com sentido depressivo. Por isso, fico por aqui… A quem acompanha o meu blog: desculpem… Talvez um dia mude… Porque a nossa vida também muda…


No dia em que fazemos 5 anos de namoro… eu estou assim… triste e revoltada… Mas se não fosses tu estaria bem pior…
Obrigada por tudo, pelo apoio, pelo carinho, por seres tão parecido comigo e me compreenderes como ninguém…
Obrigada por fazeres com que tudo valha a pena...

sábado, abril 14, 2007

Porque eu ainda quero ler muitos livros do António Lobo Antunes...


Crónica do hospital



Para a Rita e para o Henrique Bicha Castelo,

que mereciam mais que este texto, com o

amor e gratidão do António



Não quero aqui ninguém. Quero ficar sozinho a medir isto, a minha doença, a minha mortalidade, o meu espanto. Por mais que repetisse

- Um dia destes
não acreditava que o dia destes chegasse. E agora, Março de 2007, veio com a brutalidade de uma explosão no peito. Não imaginava que fosse assim, tão doloroso e, ao mesmo tempo, tão pouco digno como a velhice e a decadência. Tão reles. O olhar de pena dos outros, palavras de esperança em que não têm fé, dúzias de histórias de criaturas que passaram por isso que tu tens agora e estão óptimas. Recuperando aos poucos da anestesia vou dando-me conta de que um bicho horrível em mim, ratando, ratando. Dois sentimentos opostos

- Vou lutar, não vou lutar
e o primeiro fala antes do outro

- Chamem o Henrique
um grande cirurgião, um colega de curso, um amigo, uma das muito poucas pessoas a quem entregaria sem hesitações o meu corpo. Este texto talvez vá um pouco desconexo, desculpem, ainda estou fraco, a cabeça tem lacunas, falta-me vocabulário, há mais de nove dias que não pegava numa caneta e é difícil reaprender a andar. O meu medo que o Henrique não pudesse. Mas disse a quem lhe fala

- Eu vou já lá abaixo
e enquanto me faziam uma TAC vi-o atrás do vidro, sério, a apertar a boca. Depois veio ter comigo

- Opero-te amanhã de manhã
e queria que soubesses, Henrique, a esperança que as tuas palavras me trouxeram. Não só esperança: o que não sei dizer. Ou antes sei mas tenho vergonha. Contento-me em pensar que tu sabes também. Sei que sabes. Basta a maneira de protestares, de mão contrariada

- Não me agradeças, não me agradeças basta o teu afecto pragmático diante das minhas perguntas

- Uma coisa de cada vez
o modo como me disseste

- Eu trato-te
como diante da minha aflição, aflição sim senhor, deixemo-nos de tretas- E se houver metástases no fígado?
- Eu tiro-as
e eu tentando pôr-me no teu lugar pensando como deve ser penoso operar um amigo. Um amigo desde os dezoito anos. Em como deve ser penoso, em como deve ter sido penoso para o Henrique trabalhar com uma carga afectiva em cima dele, naquelas circunstâncias. Mexeu-me todo: tirou a vesícula, tirou o apêndice, até as glândulas seminais andou a ver. Isto há dez dias, onze dias. Escrevo do hospital onde estou, é a primeira vez que uma pessegada destas me sucede.

Magro, magro. Com uma algália ainda: é uma sorte que uma algália ainda, tive mil trezentos e seis tubos a saírem de mim. Espero que na revista entendam a caligrafia tremida da crónica. Suceda o que suceder, uma coisa tenho por certa: isto alterou, de cabo a rabo, a minha vida. Ignoro em que sentido, ignoro como. Sei que alterou. Santa Maria. O que farei daqui para a frente, se existir daqui para a frente? Livros, claro, foi para isso que me mandaram para o meio de vós. Quando isto sucedeu lutava com um, tinha outro pronto, já antigo, pronto há um ano e tal, para Outubro. Para dar tempo aos tradutores de o traduzirem e saírem mais ou menos na mesma altura que em Portugal. Esse livro tem a melhor prosa que fiz até hoje, parece recitado por um anjo. Aquele em que trabalhava é apenas um embrião, cerca de metade do primeiro esboço, falta-lhe quase tudo. A partir de agora, se calhar, falta-lhe tudo. Voltarei a ele? Uma coisa de cada vez, não é Henrique? Vamos a ver. De uma forma ou outra a gente luta sempre. Momentos de quase esperança, momentos de desânimo. Não: momentos de muito desânimo e momentos de desânimo maior, como se me obrigassem a escolher entre o que não vale nada e o que vale ainda menos. Este mês deram-me um prémio literário. Estão sempre a dar-me prémios e claro que tenho prazer nisso, não sou mentiroso nem hipócrita. Toda a gente foi muito simpática

e sem que eles sonhassem(sonhava eu)
o cancro ratando, ratando, injusto, teimoso, cego. Mói e mata. Mata. Mata. Mata. Mata. Levou-me tantas das pessoas que mais queria. E eu, já agora, quero-me? Sim. Não. Sim. Não - sim. Por enquanto meço o meu espanto, à medida que nas árvores da cerca uns pardais fazem ninho. A primavera mal começou e eles : truca, ninho. Obrigado, Senhor, por haver futuro para alguém.

António Lobo Antunes
in Visão nº 736, 12 de Abril de 2007

quarta-feira, fevereiro 21, 2007

Foto tirada a 12 de Novembro de 2006 numa manhã de muito frio...
Mas soube-me bem... E a ti?!

terça-feira, janeiro 23, 2007

Uma Casa na Escuridão


"O amor é o sangue do sol dentro do sol. A inocência repetida mil vezes na vontade sincera de desejar que o céu compreenda. Levamtam-se tempestades frágeis e delicadas na respiração vegetal do amor. Como uma planta a crescer da terra. O amor é a luz do sol a beber a voz doce dessa planta. Algo dentro de qualquer coisa profunda. O amor é o sentido de todas as palavras impossíveis. Atravessar o interior de uma montanha. Correr pelas horas originais do mundo. O amor é a paz fresca e a combustão de um incêndio dentro, dentro, dentro, dentro, dentro dos dias. Em cada instante de manhã, o céu a deslizar como um rio. À tarde, o sol como uma certeza. O amor é feito de claridade e da seiva das rochas. O amor é feito de mar, de ondas na distância do oceano e da areia eterna. O amor é feito de tantas coisas opostas e verdadeiras. Nascem lugares para o amor e, nesses jardins etéreos, a salvação é uma brisa que cai sobre o rosto suavemente."

"O ciúme é o ódio e o medo. É ver um rosto a sorrir e querer esmagar esse rosto e essa cabeça que sorri com uma pedra, querer pousar essa cabeça no chão e largar-lhe em cima uma pedra pesada, querer ver uma pedra esmagar essa cabeça, deixar uma pedra cair e vê-la partir esse crânio, vê-la partir os dentes e o sorriso todo, os olhos o furarem-se como gemas e ver espalhar-se no chão tudo o que estava dentro da cabeça: o sangue, os miolos desfeitos, pedaços de osso e de cartilagem. Olhar para o pescoço decapitado, com veias rasgadas a entornarem sangue, e sorrir. É querer fugir para onde tudo não exista. É ver só o silêncio das vozes a assustarem-se muito. É tremer tanto nas noites que exitiram, que eu senti, dentro da noite grande, da noite única do mês da noite."

Uma Casa na Escuridão, José Luís Peixoto

quinta-feira, janeiro 04, 2007

Relatos impessoais de uma memória em transe

Julguei pelo sentido das palavras que imprimi em mim
que a narrativa da verdade sempre foi volátil.

Perfaz todo o silêncio que se manifesta em vão,
no corpo que esculpiste com a tua sede.

Mantenho-me no céu sem gritar a morte
e espero que as cinzas se transformem em pó.

Sopro o vento que me corta a voz,
vagueio com a distância que em mim se encerra.

Repito o gesto cortante que me faz sofrer,
Invoco a minha esperança que me faz viver.