terça-feira, janeiro 23, 2007

Uma Casa na Escuridão


"O amor é o sangue do sol dentro do sol. A inocência repetida mil vezes na vontade sincera de desejar que o céu compreenda. Levamtam-se tempestades frágeis e delicadas na respiração vegetal do amor. Como uma planta a crescer da terra. O amor é a luz do sol a beber a voz doce dessa planta. Algo dentro de qualquer coisa profunda. O amor é o sentido de todas as palavras impossíveis. Atravessar o interior de uma montanha. Correr pelas horas originais do mundo. O amor é a paz fresca e a combustão de um incêndio dentro, dentro, dentro, dentro, dentro dos dias. Em cada instante de manhã, o céu a deslizar como um rio. À tarde, o sol como uma certeza. O amor é feito de claridade e da seiva das rochas. O amor é feito de mar, de ondas na distância do oceano e da areia eterna. O amor é feito de tantas coisas opostas e verdadeiras. Nascem lugares para o amor e, nesses jardins etéreos, a salvação é uma brisa que cai sobre o rosto suavemente."

"O ciúme é o ódio e o medo. É ver um rosto a sorrir e querer esmagar esse rosto e essa cabeça que sorri com uma pedra, querer pousar essa cabeça no chão e largar-lhe em cima uma pedra pesada, querer ver uma pedra esmagar essa cabeça, deixar uma pedra cair e vê-la partir esse crânio, vê-la partir os dentes e o sorriso todo, os olhos o furarem-se como gemas e ver espalhar-se no chão tudo o que estava dentro da cabeça: o sangue, os miolos desfeitos, pedaços de osso e de cartilagem. Olhar para o pescoço decapitado, com veias rasgadas a entornarem sangue, e sorrir. É querer fugir para onde tudo não exista. É ver só o silêncio das vozes a assustarem-se muito. É tremer tanto nas noites que exitiram, que eu senti, dentro da noite grande, da noite única do mês da noite."

Uma Casa na Escuridão, José Luís Peixoto

quinta-feira, janeiro 04, 2007

Relatos impessoais de uma memória em transe

Julguei pelo sentido das palavras que imprimi em mim
que a narrativa da verdade sempre foi volátil.

Perfaz todo o silêncio que se manifesta em vão,
no corpo que esculpiste com a tua sede.

Mantenho-me no céu sem gritar a morte
e espero que as cinzas se transformem em pó.

Sopro o vento que me corta a voz,
vagueio com a distância que em mim se encerra.

Repito o gesto cortante que me faz sofrer,
Invoco a minha esperança que me faz viver.