quinta-feira, agosto 24, 2006

Uma estória...

Apetecia-me soltar as correias que me prendiam os movimentos mas percebi que o que me agarrava àquela cama não era mais do que o meu corpo, o meu pesaroso corpo.
Pela primeira vez tive noção da minha impotência. Senti-me iútil e cansado. Tive a sensação de estar a viver uma vida que não era a minha, mas que o destino (ou lá o que isso é) se tinha encarregado de por no corredor onde eu haveria de passar. Era como se alguém me tivesse colocado uma armadilha e eu não tivesse percebido, agora era tarde de mais para me conseguir soltar.
Naquele instante um turbilhão de ideias, nomes, pessoas, vidas vagueavam na minha cabeça. Aliás, tempo era decididamente o que não me faltava e utilizava-o para pensar. Agora que não tinha tempo para fazer nada, tinha todo o tempo para pensar em tudo. E pudesse eu diminuir esse tempo e minimizar a minha dor… E pudesse eu desligar o meu cérebro e parar o meu coração… Se eu pudesse…

Hoje pedi que me trouxessem um espelho, queria olhar-me e saber se ainda me reconhecia, se o meu corpo ainda era meu. Não me consegui ver na imagem que o espelho reflectia. Lamentavelmente já o esperava. Percebi que não sou mais do que matéria, uma emaranhado de órgãos que teimam em continuar a sua função, envoltos por uma pele seca, rugosa, sem textura e um rosto sem expressão, sem cor.
Nada do que fui e pensei ser é o que sou.
Revolto-me porque nunca imaginei o meu fim como agora se me afigura e sei que nada posso fazer para o alterar, nem mesmo antecipar esse fim que desejo tão intensamente.



Sabia que esperavas pacientemente por aquele dia em que dirias “adeus” a tudo o que te rodeava. Aquele último mês tinha-se tornado demasiado penoso para que pudesses sentir vontade de lutar pelo que quer que fosse. Mas isso não me impediu de desejar que a tua vida se prolongasse por mais e mais tempo. Queria ter-te cá, queria saber que estarias aqui e que podia estar contigo sempre que pudesse. Egoísmo?! Talvez, mas a estima e o amor que sentia por ti não me deixou, nem por um segundo, desejar a tua partida.

Mas o teu desejo concretizou-se e a minha dor exacerbou, como temia.
Sinto-me o nada que sou e agora compreendo-te.
A minha cabeça anda às voltas, completamente perdida, sem rumo. E invariavelmente não consigo pensar em mais nada senão na tua presença (agora ausência). Nada mais me interessa, queria tanto não ter de viver este pesadelo.
Sabia que se pudesses me terias deixado o que eu queria receber, um pedaço de ti. Mas as únicas coisas que me deixaste são materiais e é a essas que agora me agarro para me sentir mais perto de ti.

Olho para o quarto que te acompanhou no último mês e absorvo cada canto, cada mobília e cada objecto que estiveram contigo.
Sento-me na cama. Parece confortável, mas tão fria, que me arrepio.
Reparo que na mesa de cabeceira estão os teu óculos, um livro e uma caneta. Pego no livro. Não chegaste a terminá-lo. Decido lê-lo, como se isso te desse a possibilidade de conhecer o seu fim. Folheio-o e no meio encontro um pedaço de papel com a tua letra. Todo o meu corpo estremeceu. Fecho os olhos e volto a abri-los com toda a força. Respiro fundo para recuperar o fôlego e começo a ler o que escreveste em voz alta, na esperança de ouvir a tua voz, em substituição da minha, dizer o que não tiveste tempo para me dizer:
“Hoje acordei e soube que era a última vez que o fazia.
Apeteceu-me rir, mas só consegui chorar.
Estranhamente senti falta da minha vida e pela primeira vez quis agarrá-la por mais um dia, mais um segundo, por uma eternidade”.

16 comentários:

Dark-me disse...

Bom dia!!
Adorei ler-te logo pela manhã.
Magnifico!!
Jinhos

AcesHigh disse...

brutal!!

*@rclight* disse...

olha amiga passei pa t deixar um abraço e k volto mais tarde pra t comentar,tá?

bjossss

Anónimo disse...

Belo

Cisne branco disse...

Simplesmente lindo e arrepiante. O fim de muitos com certeza e o desejo de todos que cá continuar... Beijos amiga...

Perséfone disse...

[devaneio mode: on] agora, com a ajuda do teu texto, veio-me a cabeça a imagem perfeita da minha noçao de destino, quando a considero, o que é rarissimo, porque eu nao acredito la muito no destino. mas pronto todos temos as nossas duvidas e tecemos as nossas consideraçoes. um corredor dividido por secções, em cada uma um determinado nº de portas que escondem mil e uma situações e mil e uma pessoas que tambem se encontram ali por acaso, pelo melhor ou pelo pior so podemos entrar em metade dessas portas e depois somos obrigados a seguir para a secção seguinte. o corredor vai dar ao mesmo independentemente das nossas escolhas, mas os caminhos para la chegar sao inumeros, talvez uns mais afortunados, outros mais sofridos, uns mais preechidos de coisas boas, outros menos, enfim, é tudo o acaso, mas no fim invarialvelmente acabamos com um nº de coisas pre definidas. pode ser que ao fim de uma vida plena acabemos sozinhas com um gato num apt decrepito. pode ser que tenhamos sempre uma vida de facilidade, que tenhamos uma sofrida, ou que consigamos de infelizes alcançar a plenitude. não podemos desistir nunca, nem deixar que sentimentos de impotencia tomem conta de nos, temos sempre de lutar para mudar o que achamos que esta errado, ir sempre experimentando portas novas, sem nunca perder a esperança de la conseguir o que de melhor há. eu sei que é complicado. alias eu propria quando escrevi aquelas palavrinhas sentia-me tao revoltada com a vida, com as coisas que actualmente nao consigo e ainda nao tenho possibilidade de mudar, com a imprevisibilidade da vida, com as consequencias das escolhas de boa fé dos outros que resultam em catastrofes injustas, enfim. o que me aguenta é a esperança, ou melhor a certeza racional de que um dia os raios do sol vao voltar a brilhar e a aquecer-me. ainda no outro dia via um debate de ideias entre umas personalidades reconhecidas nas suas areas sobre o que fazia valer a pena viver a vida. todos apontavam pequenos prazeres pessoais com que nos regalamos ao fim de um dia cheio de problemas e compromissos. pois, não é que uma sra. russa lançou na mesa a questao da depressao utilizando como fundamento uma experiencia pessoal, dizia ela que enquanto vivia a depressao se encontrava num estado de indiferença "se aquele carro me atropelar e me matar. nao me importo nada" dizia ela que nada lhe dava prazer nem consoloçao, que a perspectiva do passado nao a fazia ver com uns olhos mais saudaveis (ou doentes, dependendo do ponto de vista) a vida, dizia ela que foi ai que ela constatou que o nosso intelecto e as emoçoes sao coisas completamente diferentes e independentes, mas que calham de funcionar simultaneamente quando nos encontramos "bem". no entanto a essa conclusao ja eu tinha chegado e acredito que tu tambem. porque apesar de tudo o que nos anima sentimentalmente estar dormente e num estado cagativo para o que acontece, ha uma parte racional que nos sussurra sempre baixinho, como uma mensagem subliminar que a vida é um valor importante e que se tem de ter cuidado quando se trata dele e que devemos ter calma e paciencia com ela, pois apesar de nos nao nos sentirmos capazes de sair do buraco negro em que mergulhamos sabemos de exemplos de outras pessoas a quem a mudança se deu. alias a este respeito o filme Prozac Nation é bastante forte. A personagem principal, caso nao o tenhas visto ainda, alias diz, que a depressao nao é nada gradual, é assustadoramente subita, é subtil, nao se sente a progredir e um dia acordamos e estamos mais fundo no poço do que qualquer dia imaginamos possivel, pois ela diz tambem que a cura acontece exactamente da mesma forma, não é gradual, mas sim uma coisa subita, é tambem subtil e nao se da por ela a acontecer, mas um dia acorda-se e sente-se o vibrar da pele ao toque do vento e do sol :) é essa a minha mensagem para ti. a dor é muita nesta vida, tu sabe-lo, e conheces tambem o valor da vida, apesar de tantas vezes te sentires fraca para a enfrentares. pois, nós, eu estarei sempre aqui para ouvir os teus desabafos e para te fazer companhia quando precisares de ajuda para recarregar baterias, todos temos o direito a ter momentos de cansaço, a ter recaidas deprimentes, é um aspecto que faz parte de nos, talvez mais que os felizes. e pronto. espero que encontres uma forma de libertar essa angustia que va alem de palavras, que passe por actos mais materializaveis. e pronto. :) ao fim de tanta coisa so me resta deixar-te um beijinho muito grande e um abracinho e desejar que os passarinhos cantem mais cedo do que esperas desse lado :) qualquer coisa apita-me sim?* [devaneio mode: off]

antonior disse...

Olá, Synne S. :-)

O local onde o fim e o princípio se fundem num interminável ciclo de renascimento é o espaço da esperança para quem perde, ou julga perder...de um ou do outro lado do espelho.

Beijos

Andre_Ferreira disse...

Querer viver pode não ser tão simples como deveria ser...

Lord of Erewhon disse...

Correias, cama e amor nunca foram boa combinação...
Dark kiss.

Anónimo disse...

Cara Synne,

Obrigado por todas as tuas visitas pelo Luz e Sombra. Caso queiras alinhar na nossa (ainda em construção) nova aventura virtual aparec-ne n'o Outro Lado da Lua.

Cumprimentos

De Profundis (Ex- Der Uberlende)

*@rclight* disse...

olha amiga
sabes k a vida é mar com inumeros caminhos diferentes
e todos nós nos perdemos frequentemente
e tu n és excepção
n t entregues á mágoa mulher!
procura dentro d ti por essas forças ocultas k permanecem na tua alma
elas vagueiam no teu interior

força amiga!

bjsssssssssss

antonior disse...

Olá!

Fica um beijo.

Lord of Erewhon disse...

Pooooosssstttttttaaaaaaa... :)=

Miguel disse...

só o clip de anathema ali em cima, diz tudo

um beijo *

Lord of Erewhon disse...

Poooooosssssssttttttaaaaaaaaa! :)=

david santos disse...

Obrigado, Synne Soprana.
Adorei:
Até sempre: david-sanos "SÓ VERDADES"